Antes de elaborar uma definição bem acabada do termo “desenvolvimento” soa instigante refletir sobre o que este tem colocado em operação nas últimas décadas no Brasil. Trata-se de se ater aos reais efeitos deste nos lugares onde ele ocorre. A “biodiversidade”, cuja definição também exige muita cautela, tem igualmente posto em ação distintas práticas – institucionais, científicas, políticas - e modelos de conservação ao longo dos anos. Ela ganha existência, também, em lugares com características bastante específicas. Aqui* esboço a problemática da relação entre “desenvolvimento” e “biodiversidade” com o objetivo didático de contribuir com a crítica das ciências sociais ao pensamento sobre uma “ecologia política” de modo geral.
Primeiramente, trata-se de substituir a ideia de buscar aquilo que falta ao desenvolvimento pela ideia de que o desenvolvimento é o que faz faltar. Desde a década de 50, o termo se revestiu de inúmeros modos – desenvolvimento econômico; o tripé do desenvolvimento; neodesenvolvimentismo; desenvolvimento sustentável etc. Em todas estas variações, em maior ou menor grau, o que continua é uma “mentalidade”. Esta mentalidade, herança colonial, cria o “lugar atrasado” onde o desenvolvimento vai ser necessário: projetos de rodovias, hidrelétricas, intensificação agrícola, usinas carvoeiras.
Falta. Falta: utilização racional e altamente tecnificada dos recursos; geração de renda; emprego; sustentabilidade; agilidade no processamento de bens e serviços; bem-estar. Justificado como alicerce econômico, social e moral, o desenvolvimento acaba gerando um modo de governo do espaço, das pessoas e suas práticas como grandes vazios, carentes ou vítimas de um “lugar que parou no tempo”.
Segundamente, é curioso que a biodiversidade crie as “áreas prioritárias”. Tais lugares são extremamente ricos em espécies de plantas e animais, têm paisagens complexas e servem de manutenção da diversidade da vida e dos serviços ecossistêmicos. São, quase sempre, habitadas por quilombolas, indígenas, ribeirinhos. Ainda assim, a conservação da biodiversidade gerou um modelo de gestão institucional e um modo de fazer ciência: delimitam-se áreas plenas de “natureza” e, portanto, “dados puros” sobre a vida do lugar. Há (hoje isso vem mudando, importante frisar) uma “mentalidade” do humano como “sobra”, algo um tanto inapropriado.
Por um lado, a relação entre desenvolvimento e biodiversidade é de oposição: a aceleração do crescimento econômico que traria progresso social vem de mãos dadas com a aceleração da perda das espécies, das paisagens, dos serviços ambientais, das práticas culturais. Por outro lado, sua relação é de conivência: aos lugares, pela falta ou pela sobra, se autoriza dizer que ali algo é preciso, ali está sujeito à intervenção dos que se consideram humanos – no geral, os brancos e suas instituições. Autoriza-se dizer que manejo adequado é aquele planejado, estudado e escrutinado pelo conhecimento científico e a gestão racional do estado. Autoriza-se, por fim, a representar aqueles que são diretamente atingidos por barragens, mineradoras, parques e reservas.
* Este texto é um rascunho adaptado após a mesa de debates realizada no Dia da Biodiversidade, 22 de maio de 2018, na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. Confira também a notícia do evento: “Não somos atrasados: somos felizes e produtivos”